quinta-feira, 4 de abril de 2013

MAIS PERIPÉCIAS DE AMIGOMEU NA CAPITAL GAÚCHA

Amigomeu é um cara tosco, nascido na campanha e criado no meio de cavalos xucros, bois brabos e das galinhas cacarejeiras. Quando veio para Porto Alegre, teve dificuldades para se adequar a outra realidade, esta suave, mais delicada e mais complexa. Na primeira vez que andou de elevador em um prédio comercial, Amigomeu passou por um momento constrangedor. Estava ele e mais quatro pessoas naquela caixa que subia casa acima - até porque se subia só podia ser para cima - no Edifício Santa Cruz, o mais alto da Capital, na Rua da Praia, quando, de repente, sem que ele pudesse impedir, soltou um flato. Não era um pum daqueles de cidade, quase imperceptível, sem cheiro. Era um daqueles peidos de campanha, que denunciam o seu autor pelo barulho e pelo que sai pela nuca dele. Pois nem bem o malfadado evento aconteceu, e o marido de uma mulher presente irritou-se, ficou vermelho de raiva e vociferou para Amigomeu:
- Mas o que é isso? Como é que o senhor faz isso na frente da minha esposa?
Amigomeu, que já estava chateado com a situação, respondeu:
-Bá, me desculpe, não sou daqui. Eu não sabia que era a vez da sua mulher...
                                   
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   Na primeira vez que Amigomeu veio para Porto Alegre, sua intenção era só passear, ver de perto uma cidade grande e gente muito diferente dele. Com ele, veio uma prima, Elenara, tão tosca quanto ele. Amigomeu e a prima viajaram de trem durante um dia e meio. Passaram por inúmeras cidades entre elas Santa Maria da Boca do Monte e Cacequi, onde fizeram o que se chamava na época de baldeação. Chegaram a Porto Alegre de madrugada, por volta das 5h e foram direto para a casa de uma tia deles, na Avenida Desembargador André da Rocha. Os dois ficaram embasbacados diante do prédio. Nunca tinham visto um edifício tão alto assim, tinha mais de 12 andares.
Eles entraram no elevador, olharam, no papelzinho que levavam, o número do andar, lá no alto, e apertaram o botão com o número correspondente. O elevador subia sem problemas, até que a prima do Amigomeu, mais curiosa do que jornalista em começo de carreira, viu um botão vermelho e perguntou:
- Amigomeu, pra que esse botão vermelho?
- Não sei, “vamo” apertar pra ver no que dá - respondeu o primo.
Pois foi só pressionar o botão, e saiu um som muito forte, que se tornou mais aterrador por causa do silêncio da madrugada. Era o alarme. Aí o elevador parou no andar desejado, e os dois saíram para uma espécie de hall com quatro portas principais de apartamentos. Em cada porta, havia um ou mais moradores, todos com os olhos arregalados e vestidos com trajes de dormir.
Os dois nem precisaram tocar a campainha, pois os tios de Amigomeu estavam ali, também estupefatos. Quando entravam para o apartamento, a prima de Amigomeu comentou:
- Que gente curiosa, primo. Esse pessoal não pode ver chegar uma visita para os vizinhos que já quer logo ver quem é?


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    Em uma outra vez que andou de elevador, ali por 2001, Amigomeu chegou atrasado ao encontro marcado para uma proposta de emprego. Ele tinha que estar na sala da empresa às 8h em ponto. Como sempre foi responsável em sua vida, sempre chegava mais cedo nos lugares. Por isso, foi por volta de 7h30min da manhã que ele chegou ao elevador. Tinha lido no papel que a empresa ficava no primeiro andar e por isso subiu pelas escadas. Foi então que descobriu que era no 11º andar. Diante do elevador, ficou um pouco preocupado com o que leu em uma plaquinha: "Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo se encontra parado neste andar". Ele parou por uns segundos, olhou para todos os lados e não viu ninguém. Lá no fundo do corredor, havia uma mesinha e uma cadeira, mas ninguém nelas. Ele pensou, só me faltava essa, vou ter que esperar. Como era ainda muito cedo, não apareceu ninguém por ali, e Amigomeu começou a ficar preocupado. Pensou em ir pelas escadas, mas subir dez andares é brabo. Foi então que alguém saiu de uma sala, apertou o botão do elevador, e Amigomeu desceu com ele para o térreo. Quando conseguiu subir ao 11º andar, já eram mais de oito e meia e ele nem chegou a ser atendido. Na saída, perguntou para o porteiro quem era o tal de mesmo que ficava nos andares. Rindo muito, o porteiro explicou que o texto da placa atendia à lei municipal 12.772, aprovada pelos veradores de Porto Alegre em 2000 e sancionada pelo prefeito.

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   Amigomeu já estava acostumado com as diferenças entre a Capital e o lugar em que ele nasceu e vivera parte da sua vida, na vastidão do campo.  Já não se impressionava com qualquer coisa. Mas um dia, entrou em um ônibus que passava pela Azenha e, ao sentar-se, viu na sua frente, um ser bem jovem e franzino, com um cabelo eriçado como aqueles dos índios moicanos. A parte de cima era vermelha, e, nos lados, duas mechas amarelas. No nariz, uma série de aramezinhos, os tais de piercings um quase em cima do outro. As roupas eram amarelas e os coturnos pretos, como pés de pombas.
    Amigomeu não é preconceituoso, eu sei, mas não conseguiu tirar os olhos do pequenino jovem. Isso irritou o rapaz. Imagine um gaudério todo pilchado, com chapéu de aba larga e barbicacho, lenço vermelho, bombacha e bota entrando em um ônibus na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. É claro que alguém iria ficar mirando, com o olhar parado. O jovem não suportou toda aquela admiração e perguntou:
- Ô, coroa, por que tu tá me olhando? Tu nunca fez nada diferente na juventude?
- Bá, se fiz, respondeu Amigomeu, fiz tanta coisa bizarra que tu nem tem ideia. Pois uma vez tomei um baita porre e acho que transei com uma arara. E justamente agora eu, te olhando, fico pensando e me perguntando:  Será que essa criatura não é meu filho?

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O sujeito pode deixar a campanha, mas a campanha dificilmente deixa o sujeito. Lembrei-me disso no domingo à tarde, quando presenciei mais uma do Amigomeu. Ele estava no supermercado, na fila do pão, quando teve a atenção despertada pela voz de uma criança:
-Olha, ganhei uma égua. É a minha égua.
Amigomeu olhou para o menino tão pequeno que não pronunciava direito as palavras. Era um gurizinho de uns dois anos de idade, elétrico e mais eufórico do que pinto na quirera, que sacudia uma régua na mão e andava de um lado para o outro.
 De repente, o piazinho saiu correndo pelo corredor, sempre gritando: É a minha égua, é a minha égua.
Imediatamente, Amigomeu foi levado de volta para a infância, quando ia a cavalo para escola em um pangaré velho, o petiço Gateado.
E, olhando para o gurizinho que já estava lá longe, com seu material escolar, perto do setor de carnes do supermercado, Amigomeu acabou falando alto:
- Mais bá. O piazinho montou na égua e-se-foi...
Todo mundo riu na fila, menos a mãe do menino.


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