quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

AMIGOMEU NÃO É O ÚNICO AMIGO ATRAPALHADO

Algumas pessoas gostaram das bobagens que criei sobre o Amigomeu. É que todo mundo tem um amigo assim, que às vezes se atrapalha. E alguns amigos da gente é que têm algum amigo assim, que até pode ser nós mesmos. Vários leitores me relataram histórias hilariantes e pitorescas que presenciaram ou ouviram contar. Minha ex-colega Paula Luersen, por exemplo, que cuida com competência da programação do Quiosque da Cultura, de Gravataí, lembrou-se de uma história, ocorrida com uma amiga dela, que vale a pena contar aqui.
 A jovem, natural de Três de Maio, na Região Noroeste do Estado, recém tinha chegado a Porto Alegre. Morava em uma residência em sua cidade e não tinha ainda informações de como era a vida na Capital. Enquanto aguardava o que faria em Porto Alegre, a menina passou a morar em um apartamento de um edifício alto na companhia de sua irmã mais velha e que já viera do Interior havia mais tempo.
 Uma das coisas que encantou a garota foi o interfone do edifício. Ela justamente estava pensando como o aparelho funcionava quando, de repente, ele tocou. A menina atendeu e, do outro lado, uma voz masculina falou:
- Gás!
 Ela achou legal, disse ok e apertou o botão como a irmã lhe ensinara para abrir o portão principal do edifício. O funcionário da distribuidora de gás não devia estar no seu dia de sorte. O elevador, naquele dia, não estava funcionando e ele teve de subir sete andares pela escada carregando o botijão.
         Quando chegou ao apartamento, a menina, solícita, abriu a porta e indicou onde era o local de troca do botijão. O rapaz terminou de instalar o gás, testou, pegou o bujão vazio e ficou parado na porta, esperando. A garota não entendeu. Depois de alguns segundos, vendo que a menina não tomava nenhuma atitude, o funcionário da distribuidora de gás disse qual era o preço do gás:
- Como assim, espantou-se a garota? A minha irmã não deixou pago?
- Não, garota. Instalei o botijão e agora quero receber.
Foi então que a menina percebeu o que acontecera e ficou nervosa.
-Moço, eu não tenho dinheiro. Achei que a minha irmã já tinha pagado e era só receber. O senhor não perguntou se a gente queria gás. Disse apenas gás pelo interfone. E agora?
Não era mesmo o dia daquele entregador de gás. Chato não foi só ter de desinstalar o botijão que já estava até ligado e religar o outro que ainda não estava completamente vazio. O pior mesmo foi ter que descer, pelas escadas, carregando de novo o botijão pelos sete andares daquele maldito apartamento. 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

O IRMÃO DE AMIGOMEU E O SUFOCO NA VILA

Amigomeu, já contei aqui, é um cara tosco, mas é meu amigo. A família dele, porém, não é composta só de toscos não. O irmão mais novo, por exemplo, saiu inteligente e, principalmente correto. Uma das características dele é que muito mais ouve do que fala.
 E, quando fala, é movido por curiosidade produtiva que o leva a obter respostas que passam a integrar os seus conhecimentos.  Uma grande parte das coisas que já sabe é obtida em livros escolhidos, filmes interessantes e internet selecionada. Uma das coisas que ele mais faz é conversar com as pessoas e de cada uma delas tirar algum ensinamento.
  Logo que ele veio para Porto Alegre, ainda bem jovem, o irmão do Amigomeu impressionou-se  com o alto índice de criminalidade. A cada passeio pela cidade, ele ficava preocupado com a possibilidade de ser assaltado. Conversando com um amigo, ficou sabendo que, diferentemente da pequena comunidade no Interior em que ele vivia, não existia muita hospitalidade em determinadas vilas de Porto Alegre. Pelo contrário, em algumas até mesmo a polícia evitava entrar sem muito aparato, especialmente à noite. O amigo, então, deu-lhe um conselho para o caso de entrar por engano em alguns desses locais: para evitar assaltos ou até mesmo agressões, se fosse abordado imediatamente por desconhecidos, importante seria justificar de alguma forma o motivo de estar ali. O melhor seria dizer que foi em busca de drogas. Caso contrário, poderia ser confundido com policial ou informante ou jornalista interessado em fazer alguma matéria que leve à prisão deles.
  O irmão do Amigomeu prestou bem atenção no que o outro falou, mas nem cogitou da possibilidade de que pudesse colocar isso em prática. Mas o destino é irônico. Um dia, ao pegar um ônibus errado, o irmão do Amigomeu desceu exatamente dentro de uma vila conhecida por todos, menos por ele, como um ponto de alto comércio de drogas.
   Com relógio no pulso, correntinha de ouro no pescoço e bem-vestido, o irmão do Amigomeu ficou gelado. E aí lembrou-se do conselho do amigo dele. E não deu outra. Rapidamente, foi cercado por um grupo que saíra não se sabe de onde. Um dos caras perguntou:
- O que tu tá fazendo aqui na vila, bacana? De onde que tu é?
- Vim aqui pra comprar um bagulho – respondeu, esforçando-se para que eles não percebessem que estava tremendo.
- E qual o bagulho que tu “qué”?
Sem experiência nenhuma com o assunto, vacilou um pouquinho, mas logo se recuperou:
- Quero maconha, quero 5 mil cruzeiros.
- Tá, espera aqui.
O sujeito saiu rapidamente, pulou dois muros de residências e desapareceu.  Os outros caras ficaram ali, conversando entre eles.
Demorou um pouquinho, que para ele foi uma eternidade. Pela cabeça, passou um monte de filmes, não da vida dele, mas dos que vira no cinema. Até que o traficante voltou e entregou-lhe um pacotinho. Ele deu tchau e saiu rapidamente da vila. Como não gostava de drogas, procurou rapidamente um bueiro para jogar fora a maconha. No caminho, bateu-lhe um pavor. E se a polícia o encontrasse com aquela droga? O destino não estava a fim de sacaneá-lo mais. Assim que se desfez do bagulho, seguiu rapidamente para casa e levou umas duas horas para se acalmar.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

HISTÓRIAS DE QUEM ANDA DE ÔNIBUS

Todo pai cujo filho tem habilidades musicais não pode ver uma criança na rua com algum instrumento que logo o aborda e puxa conversa. Com quem tem filho excepcional isso também acontece. Basta ver alguma outra pessoa com aparência de especial e logo inicia um contato com ele e com o familiar que o acompanha. Na manhã de ontem, no ônibus, vi um menino com traços de Síndrome de Down no colo da mãe e, quando percebi, já estava estava ao lado deles.

- Como é o nome dele? perguntei.
- Péricles, respondeu a mãe, enquanto o garoto me mostrava intencionalmente a língua.

- Ah, igual do cantor de pagode – estendi o papo.
- Não. Do filósofo grego – respondeu-me a mãe.
Assimilei o “golpe nos dedos” e, antes que eu perguntasse o motivo do nome, a mãe de Péricles informou que o pai dele é filósofo.
- Então não seria bom eu ter falado no pagodeiro. O pai não iria gostar...
- Ele não iria se importar não. Ele respeita qualquer música. Mas não gosta desse tipo de pagode.
Levei nos dedos de novo. Em menos de três minutos de conversa, a mãe mostrou-se orgulhosa do filho de sete anos. Contou que ele fala normalmente (só é sapeca demais), está em uma escola normal e neste ano começa a aprender música em Capão da Porteira, distrito de Viamão. Contou que Péricles já pega direitinho o violão e toca umas musiquinhas. E gosta de gaita também.
 Depois de pôr a língua para mim, de novo, Péricles desceu do ônibus com a mãe. E eu, que havia tomado a linha por engano, nem me importei. Se tivesse pegado o ônibus certo, não teria conhecido o grande Péricles, o tesouro do filósofo, da mesma forma que o Luciano é o meu.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

MAIS UMA HISTÓRIA DE AMIGOMEU

Amigomeu é um cara tosco, mas é um sujeito muito legal. Divirto-me com as histórias que acontecem com ele. Amigomeu nunca tinha assistido a um Gre-Nal ao vivo. Vindo do interior do Interior, nem mesmo pela televisão havia visto o maior clássico do futebol gaúcho e um dos mais emocionantes do futebol brasileiro. De tanto ouvir comentários sobre a magia do jogo, o espetáculo das torcidas, a beleza das jogadas e a intensidade da disputa, Amigomeu ficou entusiasmado.Queria ir a um Gre-Nal. 
 Foi então que dois de seus amigos o convidaram para ver o jogo no Estádio Olímpico, bem pertinho de casa. E lá estava ele no meio da geral do Grêmio, quando sentiu calor e resolveu tirar a jaqueta. De repente, notou que as pessoas em volta estavam todas olhando para ele. Primeiro fizeram cara feia e, em seguida, passaram para a agressão verbal. Ele não entendia o que estava acontecendo. Até que um dos amigos, meio que se afastando dele para não se comprometer, avisou:

-Ô meu! Como é que tu vens “prum” Gre-Nal, fica na torcida do Grêmio e veste uma camisa vermelha?
Foi só aí que ele se deu conta da mancada. A saída para ele era o portão do estádio ou tirar a camiseta. Ele seguiu ligeiro para o banheiro, debaixo de vaias, tirou a camisa e voltou a colocar a jaqueta. Passou calor, mas não correu mais perigo.  “Nossa! Não pensei que fosse assim”, comentou depois, aliviado. 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

REFLEXÕES SOBRE O QUE É LIVRE-ARBÍTRIO

 Quando eu era ainda pré-adolescente, eu perguntei o que significava a expressão livre-arbítrio. Tentaram me explicar, mas usaram termos tão complicados, exemplos tão absurdos, que não consegui entender. Hoje, com os cabelos salpicados pela neve dos invernos da vida, com os pés calejados e doloridos por tantas caminhadas, sou perguntado por um jovem sobre o que é livre-arbítrio.
  Só o que me vem a cabeça é dizer que livre-arbítrio é como um controle remoto de TV. Quem tem condições para contar com um aparelho de televisão tem o livre arbítrio para escolher o programa que desejar. Se não gostar, é fácil mudar. E, na falta de algo que satisfaça, há ainda a opção de desligar e, se for o caso, ligar de novo.
  Livre-arbítrio na vida real é muito mais difícil. Depende de inteligência, de cálculo de custo-benefício, de sorte. Na vida real, não é tão fácil trocar assim de programa, interromper algo no meio, desligar para ligar mais tarde. É possível também aprender com os erros embora nem sempre seja possível esquecer as decisões erradas. Mas o importante é a possibilidade, em alguns casos, de recomeçar, seja do zero ou de alguma parte. Fazer o que quiser apenas por se influenciar por modismos, por falta de afirmação, não é livre-arbítrio porque isso não é liberdade. 
  Muitos dos que não tiveram capacidade de acertar alegam que é errando que se aprende e que é preciso vivenciar tudo para saber o que é certo ou errado. Isso para mim é que é errado. Não é preciso tomar veneno para saber que mata, nem mergulhar em qualquer água para saber se é profunda. Temos olhos e ouvidos para ver e ouvir sobre as tragédias alheias, sobre as burradas alheias. Mas quem quiser errar por seus próprios passos, que faça. E que arque com as consequências.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

E, DE REPENTE, ME VEIO ISSO NA MENTE

Li todo aquele livro que me deste,

Daquele autor a quem não admiro
 Mas que tu adoras, como me disseste
E que o lês assim entre suspiros.
Li todo o livro sempre em ti pensando,
Como um recado que tu me entregavas.
E quanto mais errinhos fui catando,
 te sou sincero, mais prazer me dava.
Marquei de tudo, o que me deu na telha.
Risquei demais, com comentários meus,
enchi de anotações, até pelas orelhas.
Usei todos os espaços, pelo amor de Deus!
Te entrego agora, é um novo texto.
Tem minha vida misturada nele.
Te dizer o que sinto foi o meu pretexto.
Tentei apenas ser melhor que ele.