![]() |
Jornalista Carlos André Moreira com o seu primeiro romance |
"Deve abrir a porta do quarto e correr em direção ao
chuveiro, não quer tempo para ver o que não existe, imagina o pai sentado à
mesa, as mãos projetadas para o ar em linha reta, em busca da garrafa térmica
que a mãe teria, como sempre, deixado preparada na noite anterior. O rádio de
pilha, à esquerda. O pai giraria a tampa da térmica uma vez e meia, sempre uma
vez e meia, tocaria a xícara, desenharia com os dedos o contorna da borda antes
de despejar o café, o dedo indicador para dentro, e assim pararia de servir no
ponto exato, antes de o líquido transbordar. Era tão simples. Mas quando Sandro
tentou fazer o mesmo dia desses, com os olhos fechados, queimou o indicador,
manchou a toalha e levou uma bronca."
Esse belo trecho é do livro "Tudo o Que Fizemos", do meu
ex-colega de ZH Carlos André Moreira. Terminei a leitura na quarta-feira. Não
fiquei surpreso com a alta qualidade do livro. Afinal, convivi durante algum tempo com o autor na redação de
Zero Hora. Lembro-me de tê-lo apelidado de Enciclopédia Ambulante e, mais
recentemente, passei a considerá-lo como quase um Google pela quantidade de
informações sobre quase tudo que ele tinha.
O que me emocionou
foi um detalhe do livro. É exatamente essa parte que destaquei, no início deste
post. O personagem principal tem um pai cego. Um leitor que não conheça a vida
do Carlos André certamente não sentirá o mesmo impacto que eu. É que eu sei que
o autor, assim como o personagem, também teve um pai privado de visão e isso
explica a espetacular descrição da forma como um deficiente visual se comporta.
Ao ler o livro e ver
a história do pai cego lembrei-me também de outro ex-colega meu da RBS. O
repórter Cid Martins, igualmente talentoso, é repórter da Rádio Gaúcha. Eu me
recordo, quando eu ainda estava na empresa, que Cid foi convidado para escrever
no jornal Zero Hora, mas preferiu ficar apenas na Gaúcha. E explicou o motivo:
é que o pai dele costuma acompanhar com orgulho o trabalho do filho. Por isso,
Cid preferiu ficar na rádio.
Voltando ao Tudo o
Que Fizemos, o romance conta a história de um grupo de estudantes que tenta
furtar o sino da escola. Ao ler sobre isso, imediatamente lembrei-me de outros
estudantes que furtaram um sino. Foi em 1968, quando um grupo de formandos
surrupiou um sino de bronze que marcava o início e o fim das aulas da Faculdade
de Direito da Ufrgs. Entre os alunos, estava o ministro Nelson Jobim. Carlos
André, porém, garantiu-me que uma coisa não teve nada a ver com a outra. A
história dele baseou-se no fato de que também em Gabriel um sino havia sido
furtado, mas todo o desenrolar da história é fictícia.
Na história de
Carlos André, os alunos decidem furtar o sino para protestar contra uma decisão
do governo do Estado da Época de acabar com a escolha democrática do diretor da
escola. Parece-me bem mais interessante do que levou Jobim e seus companheiros
a realizarem essa proeza. Os autores do furto, que hoje são juristas, alguns
deles, como Jobim, bastante renomados na história do país, tinham apenas como
objetivo, satisfazer desejos fúteis, coisa de jovens vaidosos que são hoje sessentões
vaidosos. Depois do furto, Jobim e seus camaradas criaram um pacto para a
guarda do sino, que é transferida, ano após ano, para um dos participantes daquele
crime, encarado por eles como o símbolo de uma das turmas mais brilhantes da
faculdade de Direito da Ufrgs.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
E aí? Se der tempo, critique ou elogie. Se tiver problemas para acessar, entre como anônimo (e deixe seu nome no final, se quiser)