quinta-feira, 13 de junho de 2013

A HISTÓRIA DOS ALUNOS QUE TENTARAM FURTAR O SINO DA ESCOLA

Jornalista Carlos André Moreira com o seu primeiro romance
"Deve abrir a porta do quarto e correr em direção ao chuveiro, não quer tempo para ver o que não existe, imagina o pai sentado à mesa, as mãos projetadas para o ar em linha reta, em busca da garrafa térmica que a mãe teria, como sempre, deixado preparada na noite anterior. O rádio de pilha, à esquerda. O pai giraria a tampa da térmica uma vez e meia, sempre uma vez e meia, tocaria a xícara, desenharia com os dedos o contorna da borda antes de despejar o café, o dedo indicador para dentro, e assim pararia de servir no ponto exato, antes de o líquido transbordar. Era tão simples. Mas quando Sandro tentou fazer o mesmo dia desses, com os olhos fechados, queimou o indicador, manchou a toalha e levou uma bronca."
     Esse belo trecho é do livro "Tudo o Que Fizemos", do meu ex-colega de ZH Carlos André Moreira. Terminei a leitura na quarta-feira. Não fiquei surpreso com a alta qualidade do livro. Afinal, convivi  durante algum tempo com o autor na redação de Zero Hora. Lembro-me de tê-lo apelidado de Enciclopédia Ambulante e, mais recentemente, passei a considerá-lo como quase um Google pela quantidade de informações sobre quase tudo que ele tinha.
     O que me emocionou foi um detalhe do livro. É exatamente essa parte que destaquei, no início deste post. O personagem principal tem um pai cego. Um leitor que não conheça a vida do Carlos André certamente não sentirá o mesmo impacto que eu. É que eu sei que o autor, assim como o personagem, também teve um pai privado de visão e isso explica a espetacular descrição da forma como um deficiente visual se comporta.
     Ao ler o livro e ver a história do pai cego lembrei-me também de outro ex-colega meu da RBS. O repórter Cid Martins, igualmente talentoso, é repórter da Rádio Gaúcha. Eu me recordo, quando eu ainda estava na empresa, que Cid foi convidado para escrever no jornal Zero Hora, mas preferiu ficar apenas na Gaúcha. E explicou o motivo: é que o pai dele costuma acompanhar com orgulho o trabalho do filho. Por isso, Cid preferiu ficar na rádio.
     Voltando ao Tudo o Que Fizemos, o romance conta a história de um grupo de estudantes que tenta furtar o sino da escola. Ao ler sobre isso, imediatamente lembrei-me de outros estudantes que furtaram um sino. Foi em 1968, quando um grupo de formandos surrupiou um sino de bronze que marcava o início e o fim das aulas da Faculdade de Direito da Ufrgs. Entre os alunos, estava o ministro Nelson Jobim. Carlos André, porém, garantiu-me que uma coisa não teve nada a ver com a outra. A história dele baseou-se no fato de que também em Gabriel um sino havia sido furtado, mas todo o desenrolar da história é fictícia.

     Na história de Carlos André, os alunos decidem furtar o sino para protestar contra uma decisão do governo do Estado da Época de acabar com a escolha democrática do diretor da escola. Parece-me bem mais interessante do que levou Jobim e seus companheiros a realizarem essa proeza. Os autores do furto, que hoje são juristas, alguns deles, como Jobim, bastante renomados na história do país, tinham apenas como objetivo, satisfazer desejos fúteis, coisa de jovens vaidosos que são hoje sessentões vaidosos. Depois do furto, Jobim e seus camaradas criaram um pacto para a guarda do sino, que é transferida, ano após ano, para um dos participantes daquele crime, encarado por eles como o símbolo de uma das turmas mais brilhantes da faculdade de Direito da Ufrgs.

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