Video acrescentado em 12/7/2011
Afinal, quem é Maria e quem é Clarice?
Outro dia eu estava ouvindo uma música da inesquecível e insubstituível Elis Regina, quando parei para pensar na letra e me chamou a atenção o seguinte verso: "Choram marias e clarices, no solo do Brasil. Eu sabia quem era a Maria, mas fiquei curioso em descobrir quem era a Clarice.
Perguntei a uma série de pessoas das minhas relações, inclusive jornalistas, e ninguém respondeu de cara. Alguns achavam que tinha a ver com a escritora Clarice Lispector. Não tem.
Foi aí que decidi decodificar aqui a letra de O Bêbado e a Equilibrista, composta pelo carioca Aldir Blanc e pelo mineiro João Bosco e lançada em 1979 pela gaúcha Elis.
A música, criada no auge da ditadura, foi considerada como o hino da anistia. Vamos à letra:
"Caía a tarde feito um viaduto e um bêbado, trajando luto, me lembrou Carlitos." Como pode uma tarde cair como um viaduto? Pensei, pensei e me lembrei que um viaduto havia ca¡do no Rio lá por aquela época. Uma consulta ao Google me salvou. Em 20 de novembro de 1971, o Viaduto Paulo de Frontin, na Tijuca, caiu, causando a morte de 29 pessoas e ferimentos em outras 30. Havia denúncias de corrupção e desvios de verbas e, assim como outras grandes tragédias, ninguém foi responsabilizado. Mais pesquisas e entendi a frase no início da música. A tarde caía abruptamente como a queda do viaduto Paulo de Frontin. O sentido era observar metaforicamente a então situação do país, onde a mudança política ocorreu também de forma abrupta com o golpe militar. O bêbado trajava luto pelas mortes dos que lutavam contra a repressão e lembrava Carlitos, um personagem de Charles Chaplin que simbolizava a crítica de um marginalizado da sociedade ao capitalismo mundial. Chaplin morreu em 1977.
A lua, tal qual a dona de um bordel, pedia a cada estrela fria um brilho de aluguel.
Nunca falei com Aldir Blanc nem pude constatar isso em livros e Internet, acho que, sem poder contestar abertamente a nova política antidemocrática estabelecida, a lua provavelmente se refere às autoridades que acreditavam estar em um país de paz e felicidade. Provavelmente faz menção velada a músicas ufanistas como "as praias do Brasil ensolaradas...eu te amo meu Brasil, eu te amo, e a outras camadas que apoiaram o golpe ou tiveram medo de provocar os militares.
Nuvens, feito um mata-borrão no céu chupavam manchas torturadas. Que sufoco! Louco, o bêbado de chapéu coco fazia irreverências mil, à noite do Brasil.
Uma referência quase clara à tortura no chamado per¡odo de chumbo. A irreverência do bêbado é uma contestação aos dias (e noites) vividos no Brasil naquele per¡odo de 1964 até a data da anistia, em 1979.
Meu Brasil, que sonha com a volta do irmão do Henfil e tanta gente que sumiu num rabo de foguete. Chora, a nossa pátria mãe gentil, choram marias e clarices, no solo do Brasil.
O irmão do Henfil é o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que estava exilado e que pouco antes de morrer de Aids aos 61 anos, (era hemof¡lico e contraiu sangue contaminado) , criou a Campanha Contra a Fome e a Miséria. Henfil era cartunista combatido da ditadura. Nessa época, ele tinha uma coluna na Isto É onde escrevia cartas para a mãe dele, justamente dona Maria. Na coluna, dava notícia aos correligionários e toques para os militares. Henfil morreu em 1985 aos 44 anos. Além da mãe do Henfil, a música homenageava as marias-mães brasileiras. Clarice era a mulher do jornalista Vladimir Herzog, que foi chamado, em 1975, pelo DOI-Codi para explicar ligação com o Partido Comunista Brasileiro, na época clandestino, e apareceu enforcado. Foi confirmado que ele foi morto durante sessão de tortura.
Eu sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente. A esperança dança na corda banda de sombrinha, e a cada passo dessa linha pode se machucar. Azar, a esperança equilibrista sabe que o show de todo o artista tem que continuar.
Essa parte não precisa explicar, claro. Era isso.
A seguir, o bêbado e a equilibrista, na voz da maravilhosa Elis Regina.
Afinal, quem é Maria e quem é Clarice?
Outro dia eu estava ouvindo uma música da inesquecível e insubstituível Elis Regina, quando parei para pensar na letra e me chamou a atenção o seguinte verso: "Choram marias e clarices, no solo do Brasil. Eu sabia quem era a Maria, mas fiquei curioso em descobrir quem era a Clarice.
Perguntei a uma série de pessoas das minhas relações, inclusive jornalistas, e ninguém respondeu de cara. Alguns achavam que tinha a ver com a escritora Clarice Lispector. Não tem.
Foi aí que decidi decodificar aqui a letra de O Bêbado e a Equilibrista, composta pelo carioca Aldir Blanc e pelo mineiro João Bosco e lançada em 1979 pela gaúcha Elis.
A música, criada no auge da ditadura, foi considerada como o hino da anistia. Vamos à letra:
"Caía a tarde feito um viaduto e um bêbado, trajando luto, me lembrou Carlitos." Como pode uma tarde cair como um viaduto? Pensei, pensei e me lembrei que um viaduto havia ca¡do no Rio lá por aquela época. Uma consulta ao Google me salvou. Em 20 de novembro de 1971, o Viaduto Paulo de Frontin, na Tijuca, caiu, causando a morte de 29 pessoas e ferimentos em outras 30. Havia denúncias de corrupção e desvios de verbas e, assim como outras grandes tragédias, ninguém foi responsabilizado. Mais pesquisas e entendi a frase no início da música. A tarde caía abruptamente como a queda do viaduto Paulo de Frontin. O sentido era observar metaforicamente a então situação do país, onde a mudança política ocorreu também de forma abrupta com o golpe militar. O bêbado trajava luto pelas mortes dos que lutavam contra a repressão e lembrava Carlitos, um personagem de Charles Chaplin que simbolizava a crítica de um marginalizado da sociedade ao capitalismo mundial. Chaplin morreu em 1977.
A lua, tal qual a dona de um bordel, pedia a cada estrela fria um brilho de aluguel.
Nunca falei com Aldir Blanc nem pude constatar isso em livros e Internet, acho que, sem poder contestar abertamente a nova política antidemocrática estabelecida, a lua provavelmente se refere às autoridades que acreditavam estar em um país de paz e felicidade. Provavelmente faz menção velada a músicas ufanistas como "as praias do Brasil ensolaradas...eu te amo meu Brasil, eu te amo, e a outras camadas que apoiaram o golpe ou tiveram medo de provocar os militares.
Nuvens, feito um mata-borrão no céu chupavam manchas torturadas. Que sufoco! Louco, o bêbado de chapéu coco fazia irreverências mil, à noite do Brasil.
Uma referência quase clara à tortura no chamado per¡odo de chumbo. A irreverência do bêbado é uma contestação aos dias (e noites) vividos no Brasil naquele per¡odo de 1964 até a data da anistia, em 1979.
Meu Brasil, que sonha com a volta do irmão do Henfil e tanta gente que sumiu num rabo de foguete. Chora, a nossa pátria mãe gentil, choram marias e clarices, no solo do Brasil.
O irmão do Henfil é o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que estava exilado e que pouco antes de morrer de Aids aos 61 anos, (era hemof¡lico e contraiu sangue contaminado) , criou a Campanha Contra a Fome e a Miséria. Henfil era cartunista combatido da ditadura. Nessa época, ele tinha uma coluna na Isto É onde escrevia cartas para a mãe dele, justamente dona Maria. Na coluna, dava notícia aos correligionários e toques para os militares. Henfil morreu em 1985 aos 44 anos. Além da mãe do Henfil, a música homenageava as marias-mães brasileiras. Clarice era a mulher do jornalista Vladimir Herzog, que foi chamado, em 1975, pelo DOI-Codi para explicar ligação com o Partido Comunista Brasileiro, na época clandestino, e apareceu enforcado. Foi confirmado que ele foi morto durante sessão de tortura.
Eu sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente. A esperança dança na corda banda de sombrinha, e a cada passo dessa linha pode se machucar. Azar, a esperança equilibrista sabe que o show de todo o artista tem que continuar.
Essa parte não precisa explicar, claro. Era isso.
Grande aula de cultura, Plínio!
ResponderExcluirEstava curiosa para ler essa explicação, achei muito interessante!
Abraço!
nossa cara que legal gostei muito
ResponderExcluirMuito boa a explicação! Obrigado pela excelente informação.
ResponderExcluirExcelente análise! Gostaria, se possível,de acrescentar:
ResponderExcluirMaria é a esposa do operário Manuel Fiel Filho morto sob tortura nos porões do DOI-CODI (SP) em janeiro de 1976
Quando eu pesquisei sobre a letra da música, eu também vi na Internet essa possibilidade de que a Maria tivesse a ver com a víúva do operário Manoel Fiel Filho. Ocorre que o nome da viúva dele não é Maria, é Teresa de Lourdes Martins Fiel. Como a Clarice é a viúva do jornalista Wladimir Werzog, assassinado pela repressão, algumas pessoas achavam que a Maria fosse a viúva de Manoel Fiel, também morto pelos militares na mesma época. Na verdade, Maria personificava, no nome da mãe do Henfil, uma homenagem à mulher brasileira, as marias que eram também as teresas como a viúva do Manoel Fiel Filho e tantas outras.
ResponderExcluirAbraços.
Muito Obrigado!
ResponderExcluirtava ouvindo a musica a descidi procurar exatamente que era clarice (pensava tbm que era C. lispector )
E tu me explicou a musica toda de uma maneira perfeita!
Obrigado de novo!
Plínio,
ResponderExcluirParabéns pela análise. Mas a grafia do nome do jornalista, que à época de seu assassinato era diretor de jornalismo da TV Cultura não seria Vladimir Herzog, como está na Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Vladimir_Herzog)?
Perfeita observação Craf07. Já arrumei no texto. Obrigado.
ResponderExcluirNOSSA CARA ADOREI ESSA AULA,não da pra comentar sobre a musica Ideologia do Cazuza não?
ResponderExcluir1000Bjs
Que eu saiba Maria é a Marieta severo e clarice é a esposa do francis hime
ResponderExcluirVocê está enganado, Anônimo ou Anônima do dia 7/7/2015. Marieta Severo é personagem de uma outra música. chamada Meu Caro Amigo, de autoria do então marido dela, Chico Buarque. A música fala também na mulher do Francis, e ela se chama Cecília. Francis Hime é o autor da melodia dos Meus Caro Amigo e também tem uma mensagem que se refere sub-repticiamente aos tempos da Ditadura Militar no Brasil. Mas você fez confusão com o Bêbado e a Equilibrista. Abrs
ResponderExcluirMaria podia ser também Maria Nakano, esposa do Betinho.
ResponderExcluirObrigado por explicar essas dúvidas
ResponderExcluirMe ajudou muito
Abraços
Muito proveitosa essa aula cívica.
ResponderExcluirMuito boa a reflexão. Fiz exatamente o comentário desta música em um jornal da associação dos funcionários da UNESP e as reações foram surpreendentes - de um lado, elogios e, de outro, críticas por "mexer" com tal assunto.
ResponderExcluirBom, Clarice, refere-se à Clarice Herzog, viúva de Vladimir Herzog, morto pela política repressiva no DOI-CODI em 25 de outubro de 1975.
Mas, em janeiro de 1976, outra morte, também pela repressão: foi a de operário Manoel Fiel Filho.
Então choram Marias - mulheres dos inúmeros operários ou mães dos inúmeros estudantes que lutaram; e choram Clarices.
Parabéns pelos comentário lúcidos.
José Guilherme Kock
Araraquara - SP
Maria é a esposa do operário Manuel Fiel Filho morto sob tortura nos porões do DOI-CODI (SP) em janeiro de 1976
ResponderExcluirNão, João Guimarães, Maria não era a viúva do Manuel Fiel, como já expliquei nos comentários acima. O nome da mulher do Manuel é Teresa de Lurdes. Maria é a mãe do Henfil e do Betinho e personifica as mulheres brasileiras, as marias do
ResponderExcluirBrasil.
Curti muito. Valeu.
ResponderExcluirMuito legal.Procurava explicações de alguns pontos e fiquei feliz em encontrar essa página.
ResponderExcluirObrigado pelo retorno, S.Tradução, Valmir e Linda. Abrs,
ResponderExcluirAdorei, usei como referência no meu trabalho escolar.
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