segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

SAUDADE DE JOGAR BOLA

Entrados na terceira idade, muitos têm saudades de coisas que não desfrutam mais. Alguns têm saudade do cigarro embora vibrem por ter conseguido deixá-lo, outros de outros divertimentos, até mesmo o sexo. E há quem, como eu, tenha saudade de jogar bola. De vez em quando eu até sonho com o futebol de rua da minha infância e adolescência. E a saudade se torna ainda mais forte quando noto algo curioso que me acontece. Parece que não sou só eu que tem saudade. Ela, a bola, também tem. Não é uma nem duas vezes que ela me procura. Quando caminho pelas ruas e passo por algum lugar onde se realiza uma pelada ou as pessoas simplesmente brincam, a bola parece se livrar dos que a dominam e se atira em minha direção. Ela lembra um cachorrinho que reencontra o dono algum tempo depois. Primeiro, lambe os meus tênis, pula no meu joelho, delicia-se carinhosamente sob a sola dos meus pés. E depois aceita que eu a empurre de volta ao jogo.
   Pois hoje à tarde, a caminho da padaria, aconteceu de novo. Não sei como a bola conseguiu pular aquela tela com mais de dois metros de altura e vir em minha direção. Acho que não a estavam tratando com a dignidade e carinho que ela merecia. O certo foi que, quando eu passava pela quadra de futebol, na praça, a bola passou voando e cruzou sobre os carros na Avenida Gastão Mazeron. Quando passou por mim, virou-se e eu percebi que ela piscou o olho, como quem diz, vem me buscar. Quando me dei por mim, já havia atravessado a rua, por entre os carros, e ido pegá-la já quase no muro do velho Estádio Olímpico que aguarda melancolicamente a hora de ser implodido. A gurizada que jogava futebol achou estranho aquele idoso ter ido atrás da bola. Talvez tenha até passado pela cabeça de alguém de que iria pegar para ele. Quando peguei a pelota, fiz duas embaixadinhas e até iria tentar mais algumas jogadinhas, mas me lembrei da impaciência dos jovens jogadores de futebol. Esperei uma pausa no fluxo dos carros e chutei com o pé esquerdo para o jogador que aguardava na outra calçada.
 Quando entreguei a bola, o jogo recomeçou. Não ouvi um obrigado sequer. A não ser que tinha sido prejudicado por uma deficiência auditiva. É que, quando eu era guri e a bola saía intempestivamente do recinto por algum atacante descalibrado ou zagueiro sem muitos recursos técnicos, ficávamos contentes quando alguém nos ajudava reconduzindo a bola para a quadra, ou cancha, como chamávamos. E, quando a bola voltava, ouvia-se um festival de "muito obrigado". Parece que o futebol de rua já não é mais o mesmo. Nem a educação.

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