O grande Giovanni Grisotti, um dos maiores repórteres investigativos deste país, curte o movimento tradicionalista nas horas em que não está a serviço da sua atividade de deixar o Brasil menos corrupto. Além de ser fã dos monarcas e de participar de bailes de CTGs, curte, como eu, textos e poesias sobre a vida do campo. Em post dele no Facebook, encontrei essa preciosidade da cultura gaúcha. É a poesia louco do não menos talentoso compositor e músico Vaine Darde, cuja biografia você pode curtir mais abaixo.
Eles me interditaram... Afastam-me das domas, Não me deixaram usar adagas, Nem, sequer, cuidar do fogo... E conspiram contra mim Com silêncio e solidão. Pois alegam, uns aos outros, Que me tornei perigoso Desde quando me encontraram Conversando com as ovelhas, Desde quando descobriram Que eu cultivo girassóis Por devoção às abelhas. Dizem que ando variando Com milongas circulares Na canção dos cataventos, Que fiquei de miolo mole e me desfiz das esporas Por ter pena dos cavalos... Proibiram-me transpor Os limites da porteira Numa espécie de desterro Que me exila na querência. Mas, eu sei que eles não sabem Que os olhos de quem sonha Veem além dos horizontes... Eles dizem que sou louco Porque vago pela estância Conferindo cada ninho Onde os voos eclodiram, Fazendo tenda do pala sobre o topo das coxilhas Pra navegar nas estrelas Nessas noites de verão... (Imagina se soubessem que eu carrego, nos pessuelos, uma colmeia de versos...) Mas enquanto eles proseiam Agrupados no galpão, Para encantar meu silêncio O vento canta pra mim, As sangas cantam pra mim, Os grilos cantam pra mim. Enquanto eles, que se julgam certos, Tomam mates sonolentos Com a água da cacimba. Eu, numa cambona de açude, Sorvo a lua num porongo E povoo a solidão Com as ausências que me habitam. Eu embrulho a palavra Numa folha de papel Onde guardo traduções de ocasos e auroras, Onde exponho meu silêncio Com zumbidos de abelha E confesso a ternura Que dedico aos que me odeiam. Eu trabalho mais que eles. Sou só um nas sesmarias Pra saber de cada flor, Pra saber de cada pássaro Com que o campo sinaliza E os outros não percebem... Eles, sequer, reparam Quanto sol de cada dia Se acumula nas laranjas, Que porção de lua cheia Se derrama em frenesí Na gestação da semente. Eu, sim, eu sou livre entre o campo e as estrelas, Eu sei todos os caminhos que a querência me revela Porque vivo além de mim O que a vida me concede. Mas, se louco é ser dono de si mesmo E saber que as laranjeiras Choram lágrimas de pétalas Num cio vertiginoso De excessiva floração, É ter consciência plena Que a loucura é a poesia Que, por não caber do peito, Se extravasa em dialetos E ilumina seus eleitos: Então eles estão certos: Eu sou mesmo perigoso, Uma ameaça constante De povoar o galpão Com guitarra e ar-iris, E abelha, e girassol. Não, não é a mim que eles temem Porque sabem inofensivo Meu delírio musical... O que eles não suportam É aceitar a realidade De um louco ser feliz. O AUTOR Vaine Darde, natural de Uruguaiana-RS, iniciou sua carreira como compositor e poeta em 1978 quando foi premiado no concurso Apesul Correio do Povo Revelação Literária. Em 1988, em parceria com Gaúcho da Fronteira ficou conhecido em todo o país com a música Vanerão Sambado, que ganhou discos de ouro e de platina. Em nova parceria com Gaúcho da Fronteira, gravada pelos Engenheiros do Hawaí, Herdeiro da Pampa Pobre, afirmou-se no cenário musical do Estado. Recebeu, por dois anos consecutivos, o troféu Vitória concedido pela Secretaria da Cultura. Em 2004, ganhou o troféu Clave do Sul como melhor letrista dos festivais. Com mais de 800 músicas gravadas por artistas gaúchos e de outros estados, entre eles duplas sertanejas, é um dos compositores mais premiados do Rio Grande do Sul. Detentor de uma centena de prêmios de festivais, conquistou em 1989, em parceria com Elton Saldanha, a Caleandra de Ouro, prêmio máximo da Califórnia Canção Nativa, evento que originou o movimento nativista. Possui uma coletânea de sua obra gravada pela gravadora Usa Discos em discografia que inclui 12 poetas consagrados, intitulada Autores do Sul. Seus poemas e sonetos compõem várias antologias. (Do site www.sonetos.com.br) |
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